A minha memória afetiva está quase inteiramente atrelada ao esporte. Um fato que aconteceu em mil novecentos e oitenta lá vai bolinha, eu lembro do que aconteceu em minha vida. Eu não sei explicar porque isso acontece. Quando quero resgatar algo que me marcou na família, recorro ao fato esportivo. Vejam só que loucura, amigos. E esse processo é rápido. Gatilhos, redes, conexões. Também relaciono isso a música, cinema, livros, jingles de TV, spot de rádio e outros elementos pops. Tudo aqui na caixola. Eu tenho uma certa impressão que isso acontece também com o odontólogo mineiro, Aloísio Júnior, um atleticano fanático, que ama futebol e qualquer outra modalidade esportiva.
De tanto contar suas histórias e lembranças da infância, Aloísio foi motivado pelos amigos para registrar tudo em um livro. E foi assim que nasceu “O menino que dormia de chuteiras”, lançado pela editora Sete Autores. A obra é um mergulho no passado dos fatos esportivos que ficaram cravados em sua memória. Mas, agora, descrito com a sua maturidade de quem viu e sentiu milhares e milhares de momentos do garoto que um dia ele já foi. Quem lê o livro vai parar em algum momento para relembrar onde estava quando, por exemplo, o corredor Joaquim Cruz ganhou a medalha de ouro nos Jogos de Los Angeles de 1984. Uma viagem maravilhosa, garanto.
Abaixo, papo rápido com Aloísio Júnior. Confere aí:
Marcelo Esporte Clube – Como foi que surgiu a ideia de escrever o livro?
Aloísio Júnior – Aqui em Minas, na infância, curtia o Roberto Drummond que escrevia para o jornal Estado de Minas. O mesmo da célebre frase “se houver uma camisa branca e preta pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento”. Depois conheci o pernambucano Nelson Rodrigues e seu mundo mágico de sobrenaturais de almeidas, grã-finas de narizes de cadáveres que frequentavam as cadeiras cativas do Maracanã, príncipes etíopes de rancho e por aí vai. Apaixonei. Pensei: quando crescer quero ser igual.
MEC – Qual a sua relação com o esporte na infância?
AJ – De corpo e alma em tempo integral. Os joelhos viviam ralados. Pudera, os paralelepípedos da rua viravam gramado, o passeio público de cimento se transformava na pista do salto triplo de João do Pulo. Acompanhava tudo pela TV. Sabia quem era Borg, Biro-Biro, Éder Jofre, Carioquinha, Moreno do vôlei, tudo no mesmo balaio. Meu pai também amava os esportes, jogava tênis de mesa, a casa vivia cheia de jogadores das raquetes de borracha. Ai daquele a chamar, na casa dos meus pais, o esporte de pingue-pingue. Não entrava na mesa.
MEC – Você acha que a geração de hoje tem essa viagem de resgatar o passado ou não está nem aí para a história?
AJ – Os referenciais são outros. Procuro entender, afinal, nos anos 1970 e 1980 não tínhamos a concorrência dos jogos virtuais. Não como hoje. Meu filho de 15 anos fala naturalmente “vai ter um major no Rio de Janeiro agora em novembro”. Então, pessoas da minha geração logo pensam: será um torneio de golfe, de tênis? “Não, pai! Eu já te falei, é de CS.” Ah, sei… Claro que me lembro (mentira). Mas, ao menos o Ronaldinho Gaúcho e Hulk eles contarão aos seus filhos. Eles viveram intensamente essas conquistas.
MEC – Qual atleta que você gostaria de escrever a biografia e porque?
AJ – Tenho predileção pela tragédia. O futebol anda de mãos dadas com o drama, com a fatalidade. Talvez os joões de Garrincha sejam um bom tema. Quem sabe João Berruga, o primeiro João a marcá-lo em sua cidade natal, Pau Grande. E que tal Nildon Birro-Doido, o zagueiro do Bahia que evitou o milésimo gol de Pelé na Fonte Nova? Até trio elétrico estava contratado para entrar no campo após o gol histórico. É sobre isso. É mais sobre o homem do que sobre o atleta.
MEC – Qual sua expectativa com a seleção brasileira?
AJ – Não consigo torcer contra. E sempre acho o Brasil um dos favoritos à conquista. Mas o nível técnico, mundo afora, emparelhou seleções que antes não entravam no radar. Ganhar uma Copa do Mundo não é uma tarefa fácil. Pergunte a um holandês. A Seleção Brasileira nos deixou mal acostumados, nos vendeu a falsa impressão de facilidade. Mas não ficarei em cima do muro: seremos campeões com um gol de queixo do Pedro. O problema é o VAR anular ao traçar a linha no queixo do nosso atacante com o ombro do zagueiro argentino.
MEC – Quem é o melhor jogador do mundo na história do futebol?
AJ – O ponta esquerda Pepe, o Canhão da Vila, tinha um cartão de apresentação com os dizeres: “maior artilheiro da história do Santos”. Está bem, e Pelé? Ele respondia, todo bonachão: “dos seres humanos, sou eu. Pelé não é desse mundo”. Portanto, acho que não posso escolher o nosso eterno rei da camisa 10. Aliás, tem outro jogador hors concours, não teria pra ninguém: Mauro Shampoo. Permanecer como ídolo do Ibis por 12 anos e ter feito apenas um gol na carreira é um feito inigualável. Esse gol pertence a uma atmosfera épica. Responda-me, leitor: você já fez um gol como profissional? De resto, anote em pedacinhos de papel alguns nomes como Messi, Maradona, Ronaldo, Cruyff, Beckenbauer, Garrincha, Zidane, e mais alguns de sua preferência. Jogue os papéis para o alto e pegue um. Será um excelente melhor jogador do mundo de todos os tempos. Lógico que depois de Pelé e Mauro Shampoo.