Ansiedade para o início da Copa do Mundo, o atropelo dos afazeres e dos inúmeros jogos que já acompanhei, me fez cometer o pecado de não resenhar por aqui o jogo da seleção brasileira. Logo a tão aguardada estreia. O que me faz acalentar essa traição com os leitores e comigo mesmo é que eu estou sempre postando nas redes sociais. Como um diário, deixando minhas impressões. E nesse intervalo entre o Brasil vencer a Sérvia, por 2×0, com gols de Richarlison, e estar diante do notebook escrevendo, vem a notícia dos desfalques da seleção: Neymar e Danilo estão fora da primeira fase da Copa.
Até chegar a esses personagens, gostaria de ressaltar uma característica que sempre desejei escrever por aqui: a necessidade do povo brasileiro de ter um herói. Não sei de quando vem. Talvez a morte de Ayrton Senna seja um divisor de águas. Pelo menos na minha maturidade de enxergar o esporte como algo inerente à vida real. Uma tragédia que, naquele ano, foi amortizada pela conquista do tetracampeonato da seleção brasileira, nos Estados Unidos. Aqueles dois momentos me fez refletir: o Brasil de Parreira além de quebrar o jejum de 24 anos sem títulos, foi um remédio de uma ferida. E aí, buscamos nossas referências esportivas. Para nos alegrar e abafar as dores do mundo.
O futebol tem uma força incrível nesse processo. Há quem diga que é o nosso ópio. Depende de como se vê. Mas não é essa a questão que quero levantar. Volto para a questão do herói, da nossa referência, do que pode conduzir uma geração a bons valores, comportamentos ideais para a sociedade e tantas outras atitudes. Fui crescendo em meio a Sócrates e Casagrande abraçando o Diretas Já. E sem o oba-boa de hoje. Os anos se passaram, a geração indo embora e apenas um ídolo sendo construído: Neymar.
A necessidade de ter algum atleta tão craque para o futebol brasileiro criou uma atmosfera, a meu ver, nociva para ele. Nela, não se podia dizer um “ai” contra a jovem revelação do Santos. Se nos primeiros anos o discurso “não vamos queimar o jogador” servia para preservar uma promessa, ele se perdurou através dos tempos até a última Copa do Mundo, em 2018, quando Neymar foi ridicularizado pelo mundo por conta do seu “cai-cai”.
Mas o tal “cai-cai” já existia quando Neymar sacou que era blindado pela mídia, federações, confederações, torcedores e tudo que se possa imaginar. E tirou proveito disso durante todo o seu desenvolvimento como atleta. O “cai-cai” vinha seguido de gritos, contorcionismo no gramado, bronca da arbitragem no marcador que o deixou no chão e o cartão amarelo ou vermelho. Ai do árbitro se assim não agisse. Não estou falando de talento. A sua qualidade técnica é inquestionável. Mas sua personalidade, seu egocentrismo e sua posição em relação à realidade brasileira me faz não o enxergar como ídolo. E ponto final.
Acelera o tempo aí, amigo… E chegamos a 2022. A estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo. Temos pela primeira vez um técnico que permanece no cargo mesmo depois de ter perdido a Copa anterior. Tite faz história antes mesmo de chegar a final. E monta uma equipe coerente, bem treinada, equilibrada, na qual ele conseguiu até domar Neymar. A estrela jogou para o grupo, fez o seu papel tático, participou das articulações das jogadas e também dos lances decisivos. Gosto da sua função como meia de armação. Do seu entendimento com o Lucas Paquetá. Um entendimento que dá espaço até para Casemiro chegar lá na frente para finalizar. Para mim, o volante foi o melhor da partida.
Agora, Neymar, ao lado de Danilo, desfalca a seleção brasileira nos jogos da primeira fase. Para a estrela brasileira, o peso é enorme. Depois de uma Copa na Rússia ruim, se esperava (e se espera) que ele brilhasse no Catar. Em todos os jogos. Para o Brasil, a sua ausência acontece num cenário diferente, no qual todos tem o seu brilho. O conjunto, enfim, tem falado mais alto. E Richarlison? Ah, amigos…. Ele é um pilar que reúne todos fatores que citei nesse texto.
O atacante está comovendo a todos os brasileiros que estavam ressabiados com a seleção. Por que? Simples: Richarlison é o autêntico brasileiro que saiu da pobreza, da miséria para brilhar, sem esquecer das raízes, sem deixar de questionar, questionar e muito menos falar pela maioria do povo que sofre no Brasil. E que foi esquecido nos últimos quatro anos, especialmente nos últimos dois anos de pandemia. Enquanto uns negavam a vacina e a ciência, Richarlison declarava: “No Brasil, muitos só recebem atenção em época de eleição…. Eu não me interesso por política, nem de partido. Não preciso de um para saber que é errado faltar energia elétrica por 22 dias em um estado inteiro. Ou ainda é direito básico ter comida na mesa, saúde, educação e moradia. Também nunca entrei laboratório. Ainda assim, eu posso dizer a todos que a ciência é a única saída em todos os momentos. Meu corpo precisa da ciência para fazer o que mais amo…”
Nem vou reproduzir mais para o texto não ficar mais extenso do que já está. Mas Richarlison tem o perfil para ser o ídolo que o Brasil precisa não apenas pelo seu futebol e pelos gols. Mas pelas palavras, atitude. O seu posicionamento é o que o futebol precisa para tirar a categoria da alienação em que está mergulhada nos últimos anos. É preciso inserir o futebol na vida da sociedade não como ópio, mas como algo vital para que as pessoas questionem o que se impõe. Atletas e dirigentes precisam deixar de lado a vaidade e pensar naqueles que amam o esporte e precisam de ídolos de verdade. Que são referências. Richarlison pode ser a pedra fundamental desse reerguimento.