Fernando Rêgo Barros
A Copa do Catar foi, sim, uma grande Copa (a despeito de todos os problemas envolvendo os direitos humanos). Argentinos e franceses foram os melhores e mereceram chegar à final. O duelo Mbappé x Messi foi digno do que se espera de um grande jogo de futebol. Para mim, esta foi uma das melhores finais de Copa do Mundo em todos os tempos.
No primeiro tempo, só deu Argentina. O técnico Scaloni tomou uma grande decisão ao escalar Di Maria na esquerda. Desmontou a marcação francesa. Coundé não conseguiu conter o argentino. Além disso, o time dominou o meio-campo, anulando Griezmann e Tchouaméni, os responsáveis por criar as jogadas de ataque da França.
O pênalti em Di Maria? Pra mim, houve, sim. Ele deu uma valorizada, é verdade. O próprio Di Maria fez o segundo.
A França esteve tão mal que Dechamps tirou Giroud e Dembelé nos minutos finais do primeiro tempo.
No segundo tempo, a França renasceu. Mudou o estilo de jogo. Em dois minutos, Mbappe empatou o jogo. Primeiro, com um pênalti e depois, com um chute cruzado.
Na prorrogação, mais emoção. Foi já no segundo tempo que Messi conseguiu botar a Argentina na frente outra vez. Novo pênalti para a França e Mbappé deixa tudo igual. E aos 17 do segundo tempo da prorrogação, o goleiro Martínez defendeu com o pé esquerdo um chute de Kolo Mouani. Seria o quarto gol francês. Martínez foi decisivo também aí.
A decisão foi para os pênaltis. E a Argentina se deu melhor, vencendo por 4 a 2. Martínez pegou um e Tchouaméni mandou um pra fora. Interessante: Mbappé e Messi bateram os primeiros pênaltis de suas seleções.
Messi, por tudo o que fez ao longo da carreira, merecia ser campeão do mundo. Fez uma ótima Copa e mereceu levantar a taça.
Mbappé, na plenitude de seus 23 anos, fez três gols e chegou a oito no Mundial. Já tem doze gols em Copas, igualando Pelé.
Griezmann que fez uma excelente Copa, não foi tão bem na final. Tanto que acabou substituído.
Messi foi tudo o que se esperava dele e até mais. Em sua quinta participação, fez também sua melhor Copa. Fez gol e deu assistências para seus jovens companheiros de seleção. Esteve no seu melhor nível. E contou com a parceria de jogadores jovens como De Paul, Enzo Fernández, Mac Allister e Julián Álvarez.
No jogo final, vimos um futebol de altíssimo nível, em que qualquer dos dois times que saísse vencedor seria um justo campeão. Quiseram os deuses dos estádios que a genialidade de Messi sobressaísse e que fosse ele a levantar a taça. Mas, se uma das arrancadas de Mbappé tivesse resultado no gol da vitória, a taça também teria ficado em boas mãos.
OUTROS DESTAQUES DA COPA
A Copa também deixará saudades. Como esquecer a altivez dos marroquinos, que superaram tantos adversários supostamente favoritos e conseguiram, pela primeira vez, levar um país africano a estar entre os quatro melhores de um Mundial? De uma hora para outra, o mundo do futebol passou a exaltar atletas como Bono, Zyech, Hakimi, En-Nasyri e Amrabat. A Croácia, vice-campeã na Rússia, em 2018, também teve seus méritos. Lutou até o fim para garantir outra vez o terceiro lugar, como já fizera em 1998. O goleiro Livakovic foi um dos melhores da Copa e Modric, aos 37 anos, provavelmente se despede dos Mundiais em grande estilo e jogando um futebol de ótimo nível. Na disputa pelo terceiro lugar, fez questão de jogar o jogo inteiro.
Como esquecer o bom time da Inglaterra, eliminado no seu melhor jogo, contra a França? O que teria acontecido se Kane não tivesse mandado pro alto aquele segundo pênalti durante o jogo?
Além da surpresa Marrocos, a Copa foi marcada pela boa participação dos japoneses, que na fase de grupos venceram alemães e espanhóis. E só saíram da Copa porque perderam nos pênaltis para a sempre fria Croácia.
Vimos ainda bons times ficarem pelo meio do caminho, como a Holanda de Memphis Depay e Gapko, Portugal de Cristiano Ronaldo, Rafael Leão e João Félix, e até mesmo a Polônia, de Lewandowski e do ótimo goleiro Szczesny, que poderia ter ido mais longe se não tivesse enfrentado a França logo nas oitavas.
AS DECEPÇÕES
Entre os que decepcionaram, destaco em primeiro lugar, a tetracampeã Alemanha, eliminada na fase de grupos. Pela segunda Copa consecutiva, foi só uma sombra de sua tradição. A outra foi a Espanha, que começou o Mundial com um 7 a 0 sobre a Costa Rica e parecia que ia ser uma sensação. Só parecia. Depois da estreia, empatou com a Alemanha e perdeu para o Japão. Nas oitavas, foi mais uma vítima do aplicado time do Marrocos.
A Bélgica, que antes do Mundial chegou a ser apontada como um dos favoritos, também decepcionou. O time de Courtois, De Bruyne, Hasard e Lukaku se mostrou envelhecido e só venceu o Canadá. Saiu da Copa sem deixar saudades.
E O BRASIL?
Pra mim, o Brasil fez uma campanha fraquíssima para quem chegou ao Mundial como um dos favoritos. Passamos pela Sérvia (2×0) e pela Suíça (1×0). Sempre irei questionar a decisão de Tite de escalar todo o time reserva no terceiro jogo, que acabamos perdendo para Camarões (0x1). Teria sido mais inteligente entrar com um time misto e, se o resultado estivesse a nosso favor, ir substituindo os titulares escalados. Correríamos menos riscos. Do jeito que foi, só serviu para mostrar que nosso time reserva era fraco.
Veio o jogo pelas oitavas de final contra a Coreia do Sul e o 4 a 0 no primeiro tempo trouxe a ilusão de que tínhamos um time para ganhar a Copa. No segundo tempo, paramos de jogar e a Coreia diminuiu para 4×1. Fico me perguntando como teria sido se o adversário das oitavas tivesse sido o Uruguai. Como teríamos nos comportado?
O Brasil, amigos, foi um time apenas mediano nesta Copa. Paramos na Croácia, num jogo em que tivemos muita dificuldade para chegar ao ataque e em que perdemos a batalha do meio-campo. Na semifinal, Messi e a Argentina mostraram como ganhar dos croatas.
Acho que, mais uma vez, nos iludimos com a superioridade nas eliminatórias, que é uma competição longa, com dezoito jogos. Classificado, o Brasil de Tite não foi testado de verdade. Não enfrentamos uma seleção europeia de ponta. Em vez disso, preferimos fazer amistosos contra seleções do segundo ou até terceiro escalão.
Não é a primeira Copa que o Brasil chega com uma empáfia que não faz bem a ninguém. Um certo ar de superioridade. O técnico fala como se tivéssemos ainda os melhores jogadores do mundo e que o único trabalho dele fosse colocá-los em campo. Parece até que do outro lado teremos onze postes, de tão simples que tentam fazer parecer.
Neymar, senhores, é craque. Mas não é o melhor do mundo. Nunca foi. Na Copa, fez um gol de craque justo no último jogo. E só. Falta a Neymar a entrega de craques como Messi e até mesmo Modric, que, apesar dos 37 anos, conseguia estar presente no meio, no ataque e até na defesa. Neste Mundial, Neymar teve a responsabilidade dividida porque havia outros em condições de levar igual perigo aos adversários. Mas faltou a ele assumir uma posição de líder, chamar a responsabilidade para si. Até hoje, não engulo o fato de Neymar não ter batido o pênalti contra a Croácia. Vejo também nisso aquele ar superior de que já falei. É como se déssemos por certo o triunfo na última cobrança. Ela não veio e fomos castigados por isso. Também ainda não engoli a maneira como Tite deixou o campo após a eliminação do Brasil. Um líder não se comporta daquele jeito.
O Brasil levou nove atacantes ao Catar. E não fizemos um gol sequer em chute de fora da área. Aliás, fizemos oito gols, mas não podemos esquecer que metade foi contra os coreanos, num confronto que mais pareceu um jogo-treino.
Talvez nem adiante falar nisso agora, mas tenho críticas à convocação para a Copa. Não teria levado Daniel Alves, Fred e Gabriel Jesus. Não entendo a insistência de Tite com esses jogadores. E acho que Casemiro merecia mais a braçadeira de capitão do que Thiago Silva.
E o que vem pela frente? Não sei. Temos ouvido falar muito. Mas a própria CBF mostra hesitação ao deixar para anunciar só em janeiro o novo treinador. Pouco importa se vai ser um estrangeiro ou um brasileiro. Se o escolhido selecionar os melhores, sem os apadrinhamentos sempre presentes nas últimas Copas disputados pelo Brasil, já teremos avançado.
Fernando Rêgo Barros é jornalista e autor do livro 1958 – Como ganhamos a Copa na Suécia