Num domingo de sol, toda família e meus amigos estavam diante da TV, esperando a bola rolar para o duelo entre Argentina x Bélgica. A inocência infantil não me fazia entender que as duas seleções duelavam em jogo oficial da abertura da Copa do Mundo da Espanha, o Mundial que guardo com carinho na minha memória e meu coração. Talvez por ser a primeira Copa que eu vi. Talvez por ter comemorado muito os gols da incrível seleção brasileira de Telê Santana, por ter visto muita gente chorando pela sua eliminação, o que me fez chorar também. Mas com certeza, é a Copa do Mundo que, neste 13 de junho, 40 anos depois, é um divisor de águas na minha relação com o futebol.
A Argentina abria a Copa do Mundo por ter sido a campeã da Copa anterior, em 1978, em casa. Maradona, em seu primeiro Mundial, era a grande atração. Apesar das grandes jogadas, não conseguiu evitar a derrota para a valente Bélgica, por 1×0. Foi o único jogo daquela tarde de domingo. A partir do dia seguinte, uma maratona. Três jogos por dia. O que um garoto de apenas 8 anos poderia sentir? Amar aquilo tudo. Tudo era novidade. Até mesmo os jogos ruins.
Lembro um dia, saindo de casa para ir à escola, a TV Globo começava a transmissão da partida Inglaterra x França. A bola começou a rola e, segundos depois, os ingleses abriram o placar. Que vontade de ficar em casa, minha gente. Mas tinha que ir para aula. Só depois soube da vitória da Inglaterra de Peter Shilton por 3×1. Noutro dia, chegando em casa, soube da goleada da Hungria na seleção de El Salvador, por 10×1, a maior da história das Copas.
Os dias dos jogos do Brasil foram momentos mágicos. Era algo espetacular para um garoto que começava a amar futebol saber que não teria aula no dia dos jogos da seleção brasileira. A mobilização em torno de um grupo de jogadores me alimentava, pela primeira vez, da sensação de sermos um só. E erámos milhões.
A estreia aconteceu no dia 14 de junho, diante da União Soviética, do goleiro de gelo Rinat Dasaev. A seleção sofreu o primeiro gol do jogo, num chute de longa distância de Bal que Valdir Peres aceitou. O Brasil conseguiu a virada sabe lá Deus como. Porque foi sofrido. Dois chutaços de Sócrates e Éder, nos minutos finais, garantiram a virada. Lembro de minha mãe ligando a vitrola de casa, com som nas alturas, com a narração de Roberto Queiroz, enquanto eu corria feito louco, como se o gol fosse meu, comemorando no meio da rua.
Depois daquilo ali, foi um passeio de fatos marcantes para um garotinho que sentia o coração bater mais forte e os olhos brilharem com cada jogada. Teve gol francês anulado por um sheik árabe, que estava nos camarotes do estádio José Zorrilla, em Valladolid, na partida contra o Kwait, o arrumadinho entre Alemanha e Áustria para eliminar a Argélia, que participava pela primeira vez de uma Copa do Mundo e, logo na estreia, venceu os alemães por 2×1. E o que dizer da partida Alemanha x França, pelas semifinais. Os alemães venceram nos pênaltis, por 5×4, após empate por 3×3, no tempo normal e prorrogação, naquela que foi a partida mais emocionante que já vi em Mundiais. As lindas comemorações de Falcão, na derrota brasileira para a Itália, e a do italiano bom de bola Tardelli, na final do Mundial contra a Alemanha. Era como se o coração explodisse por dentro de tanta alegria.
O sentimento do brasileiro naquele um mês de overdose futebolística era de que a seleção canarinha, em meio a luta para espantar de vez os resquícios da ditadura, seria a campeã. O futebol ofensivo sob a batuta de Telê Santana encantava. E, de fato, desde que 1970, o Brasil não havia reunido tantos craques num mesmo grupo. A seleção fez uma brilhante primeira fase. Atropelou a Argentina no primeiro confronto da fase eliminatória, mas sucumbiu diante da Itália, que fez uma primeira fase horrorosa, mas que cresceu e, contando com o iluminado Paolo Rossi, venceu o confronto por 3×2. Os italianos foram campeões daquela Copa sem oferecer direito a contestação dos adversários.
A tristeza que bateu no Brasil naquele 5 de julho de 1982, na partida que ficou conhecida como Tragédia do Sarriá, foi algo inexplicável para mim. Marcante. A certeza de que eu vivia no País do futebol e foi o alimento vital para impulsionar minha paixão que já estava bastante irrigada por tantas coisas: Naranjito (mascote da Copa), a tabela dos jogos pregada na porta do meu quarto (com a marca do cigarro Continental), as canções de Júnior (Voa, Canarinho!) e Luiz Ayrão (Meu canarinho) e o álbum de figurinhas do chiclete Ping-Pong e que me fez triplicar a minhas idas ao dentista.
A Copa do Mundo de 1982 para mim foi um marco que me fez ser um apaixonado por futebol. Durante quatro décadas ela não sai da minha cabeça. Graças a memória afetiva, aos livros, aos vídeos no Youtube e, principalmente, a todos os protagonistas e coadjuvantes daquele mundial.