Joaquim Bezerra obteve uma façanha que poucos conseguiram no Santa Cruz: vencer uma eleição para presidente na condição de opositor. Mas enfrentou uma barra. Em plena pandemia, sem torcida no estádio, calendário apertado, errou mais do que acertou. A crise política foi inflamada. E só foi amenizada depois que o rebaixamento à Série D havia sido concretizado. Para poder governar, Joaquim se uniu a outras lideranças que, durante a eleição, foi alvo das suas críticas. Nessa entrevista, ele fala sobre o que aconteceu no clube no seu primeiro ano de gestão.
MEC – Qual a sua perspectiva para o Santa Cruz em 2022?
JB – A situação é diferente por conta do calendário. Na Série C, a situação é mais estável, não existia o “mata-mata”, enquanto na Série D, se não conseguirmos a classificação, em julho o ano acaba e isso não nos dá uma segurança para trazer o patrocinador para o clube. Então, é uma situação bem complicada. Mas veja bem… Parece que eu assumir o Santa Cruz como modelo de gestão e transformei no caos e levei para o inferno. A crise no clube vem se agravando desde 2015. O Santa Cruz chegou na Série A e desceu a Série C, onde ficou quatro anos. Aí, querer dizer que eu sou culpado de tudo é querer encontrar um Cristo, né?
MEC – Como foi o período de licença do clube?
JB – Não tirei 30 dias de férias do Santa Cruz. Fiquei afastado para buscar governabilidade política. E introduzir a figura do CEO para cuidar do operacional e remunerá-lo. Foi uma saída estratégica. Coloquei o Abdias, cargo que está assumindo muito bem. E aí, pude discutir com outros ex-presidentes. E buscar harmonia para o clube. Conversei com Romerito Jatobá, Antônio Luiz Neto, Alexandre Mirinda, além de outros grupos políticos do clube. Ou a gente se organiza como conselho gestor ou a gente não consegue trazer para o Santa a estabilidade para gerir.
MEC – Em algum momento passou pela sua cabeça a renuncia do cargo?
JB – Quem tá fora não tem a dimensão do que é o clube. E o contrato que eu assumi com pessoas que estão dentro? Qual a credibilidade que o clube vai ter com pessoas que renunciam e não dão estabilidade com os contratos firmados? Se eu tivesse a ideia para sair, teria que construir esse processo. Não poderia largar tudo porque a torcida quer.
MEC – Qual foi o seu sentimento com tudo que aconteceu com o clube e às críticas que recebeu?
Fiquei extremamente triste. Antes de tudo, triste como torcedor do Santa Cruz. Cada jogo que perdíamos, para mim era uma angústia. Eu entendo e respeito todas as críticas respeitosas. Mas teve gente me chamando de incompetente. Cara, nunca disse que entendia de futebol a ninguém. Tentei dar estabilidade ao departamento de futebol, garantir condições de trabalho. Eu teria dado continuidade ao trabalho de Ney Pandolfo, mas ele pediu para sair. Contratei Fabiano Melo como executivo de futebol, trouxe Givanildo Oliveira, e depois, Alexandre Mirinda. Eu nunca quis ser dono do departamento porque não tenho experiência. Mas não deu certo. Aí, cabe a pergunta: no Grêmio tem um bocado de incompetente? O Grêmio tinha um time ruim? Tinha salário atrasado? E o Grêmio caiu. A gente aprende no fracasso para crescer no futuro. Quando a gente foi jogar com a Tombense, Edinho Nazareth, que estava como gestor por lá, conversou com Roberto Fernandes. “Salário atrasado é fogo. Roberto disse que não estava atrasado. Ele se assustou: Como não está e vocês estão nessa situação? Então, o profissional da imprensa tem que ter responsabilidade no que critica, não pode ser emoção. Será que o resultado dentro de campo foi apenas por conta de 8 meses de trabalho?
MEC – O processo eleitoral atrapalhou o seu planejamento?
JB – Demais. Se tem realizado em dezembro, teríamos tempo para montar o time. Se vai terminar um campeonato e vai começar outro, como é que vai desmontar? Mandei uma mensagem para Ney Pandolfo, no dia 20 de janeiro, pedido uma conversa com Tininho. Será que a conversa tivesse, o posicionamento não seria outro. É muito simples dizer que tínhamos um esqueleto do time. Não foi assim. O que eu queria era saber como a estrutura do futebol, os contratos. O problema é que a política é tão forte e as pessoas esquecem que sai e entra presidente e o clube continua. Na SAF, montando a S/A, a gestão continua a mesma. Talvez não precise montar a S/A, mas precise ter a governabilidade como tal.
MEC – Como você encontrou o futebol do Santa Cruz?
JB – Peguei um time faltando 10 dias para começar o PE e Ne com 8 jogadores do elenco anterior, com jogadores da base que sequer se firmaram. Como é que se monta um time de qualidade desse jeito. Mas nada é considerado. O que eles falam é pegar uma base e não soube trabalhar. A dificuldade de contratar é imensa.
MEC – O que você fez em 2021 e não fará de jeito algum no próximo ano?
JB – Fizemos as contratações de forma precipitada, embora não tivesse tempo para o início da competição. Precisamos melhorar o nível de contratação escutando profissionais especializados. A gente não quer ser refém da indicação do técnico. Leston pode indicar seus jogadores, mas tem que haver avaliação da diretoria. Nosso executivo de futebol, Fabiano Melo, não contestava a indicação do treinador. Era como se fosse uma lei, como se não fosse responsabilidade dele, da diretoria. Mas é nossa responsabilidade também. Hoje, vamos fazer um trabalho em conjunto, com Leston, Seguro, Diego Hydalgo e Rogério Guedes. Todos avaliam as indicações.
MEC – O que você fez e quer melhorar?
JB – Os recursos recebidos pelo clube foram destinados a coisa do santa cruz, seja do clube ou operacional. Mantivemos todos os salários em dia, de funcionário até jogadores, coisa que não acontecia há mais de seis anos no Santa Cruz.
MEC – O Santa Cruz é um clube viável administrativamente?
JB – Tem que dividir o Santa Cruz em projeto. O primeiro é reestruturar o passivo. Ninguém está disposto a pagar R$ 300 milhões das dívidas do clube. Existe remédio para isso: fazer uma reestruturação da dívida como todo mundo tá fazendo. Temos que fazer de forma organizada. Agora, temos que ter segurança jurídica para o investidor. E todo esse trabalho é baseado na Lei da SAF. Temos uma comissão jurídica trabalhando isso há quatro meses, mas precisamos conversar com outras lideranças para tomar a decisão, pois é um projeto de longo prazo e teremos novas gestões pela frente.
MEC – Como você vê o cenário político do clube?
JB – A primeira coisa: necessário ter conhecimento e experiência do Santa Cruz . Ao entrar na realidade do clube, se assustam, não só pelos problemas financeiros, mas pelo volume de dedicação necessário diariamente. Se perguntam: “Como vou me dedicar ao clube e aos meus negócios?”. Aí, claro, optam por sair. No Santa, você acorda e vai dormir com problemas para resolver. Em função do insucesso, a pressão política interna e externa aumentou bastante e muita gente não suporta. O Santa Cruz necessita de trabalho efetivo no cotidiano do clube. A pessoa tem que ir no clube e trabalhar com intensidade, mas nem todo mundo tem disponibilidade para isso. No entanto, não me sinto decepcionado com ninguém. Afinal, como diria Caetano Veloso “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
MEC – E sua relação com Antônio Luiz Neto…
JB – Quando fui vice-presidente da gestão dele, nas temporadas 2011 e 2012, eu não tive atrito com ele, nenhuma briga. Mas o que aconteceu: pessoas ligadas a ele e a mim, começaram a fazer intrigas, fofocas. Nem eu procurei ele e nem ele me procurou. Quando estava terminando o mandato, cada um foi para um lado e eu me candidatei. Ai, foram farpas para todos os lados. Nos afastamos. Agora, com essa concepção, Rogério Guedes, que era da gestão anterior, e que tinha trabalhado com a gente em 2011, ele nunca deixou de me apoiar. Toda vez que ele via o futebol desandar, ele conversa comigo. Agora, com tanta porrada, ele me procurou para conversar com as lideranças do clube. Eu me disponho a conversar com ele. Não guardo mágoas e nem me decepciono. Respeito as pessoas. Tive conversa com Tonico Araújo e Antônio Luiz Neto. Não consegui unir tudo numa só gestão. Mas estamos mais próximos. É importante ter pessoas com DNA do Santa Cruz. Antônio Luiz Neto tem esse DNA e história.