Futebol é defesa, é drible, é passe, é assistência é… gol. Mas também é numero. Sim, dados. O perfil de um atleta passa pelos números que ele descreve dentro de campo. Isso interfere na contratação, na sua escalação no time. E torcedor se interessa cada vez mais nesses números. Um desses aficionados é o português Miguel Gama de Amorim. Licenciado em Educação Física e Desporto, Mestrado em Ensino da Educação Física, Miguel é scouting internacional de jogadores de futebol, mais
propriamente na América Latina, e inscrito na Associação Nacional de Scouts de Futebol em Portugal. Em nível profissional, teve passagens pelos departamentos de Scouting de clubes como Futebol Clube do Porto e AC Milan. De passagem pelo Recife, Miguel conversou com o Blog Marcelo Esporte Clube sobre sua função no futebol brasileiro que é cada vez mais a menina dos olhos dos treinadores.
MEC – Como surgiu esse interesse pelo scout dos jogadores?
MG – O interesse pelo scouting surgiu enquanto estudante na universidade. Naquele momento, desempenhava funções como treinador, mas um trabalho de observação e análise de jogo realizado para o professor José Neto (Docente da disciplina de futebol) e pioneiro na observação e analise de equipes de futebol na Europa, acabou por fazer com que entrasse na área da observação de jogadores. O professor gostou muito do trabalho e disse-me que eu tinha que ir para a observação, que eu iria ter um grande futuro, e assim foi…
MEC – Como é feito esse trabalho.. Falo em relação ao clube que te contrata e ao proprio
mecanismo que usa para captar dados dos jogadores?
MG – Quando desempenhamos funções como scounting num clube de futebol de alto nível, normalmente já existe uma metodologia de trabalho enraizada mantendo uma identidade nas suas equipes com laços estreitos de afinidade com a sua dimensão mundial, histórica e gloriosa que reforçará a “mística” do clube. Primeiro é muito importante conhecer a cultura do clube. É um clube vendedor ou comprador? Porque isso influencia muito o nosso trabalho. Se for um clube vendedor, temos que saber qual o valor máximo que se pode pagar para contratar um jogador e o salário que se pode pagar ao jogador. É muito diferente trabalhar por exemplo, para um clube português e inglês, estamos falando de orçamentos anuais com uma grande discrepância. Quando trabalhei como scouting, num clube europeu com o mercado da América do Sul, a nossa
dinâmica de trabalho, passava também por quatro pressupostos: recrutar, formar, render e vender. A cultura do clube era de vencedor e vendedor. A partir desse momento, a pesquisa e a observação passam muito por identificar, onde há jogadores com determinadas características que se enquadrem com a forma de jogar do
clube e que possam evoluir através do próprio processo de treino e do jogo e sempre em função das necessidades das equipes do clube, criando uma perspectiva de êxito desportivo e futuramente o financeiro numa transferência.
MEC – E quais são as observações feitas nesse sentido?
MG – De forma direta(análise in loco do jogo, inclusive com conhecimento das condições externas ao jogo), indireta (análise em vídeo, recolhimento de dados sistematizados relativamente aos jogadores, utilização de meios tecnológicos) e Mista (faz uso dos dois tipos de observação).
MEC – Quais os números mais impressionantes do futebol da América do Sul no momento?
MG – Se olharmos para os números no futebol da América do Sul, relativamente a jogadores de futebol, primeiro convém dizer, que a estatística, para mim, serve como ponto de partida parara análise qualitativa. A informação quantitativa é importante, mas só isso não chega, é imprescindível a observação qualitativa. Como é o jogador taticamente? Como se posiciona em campo quando a equipa está com e/ou sem posse de bola? Se for um lateral direito, é um jogador mais posicional e/ou é mais ofensivo? Se for um centroavante, e tem em médio oito remates no gol por jogo, mas como são feitos os arremates? Com ou sem oposição do adversário? Em que lugar ele finaliza? É
um jogador que baixa para ir buscar jogo, ou é mais posicional, joga mais dentro da área? São aspectos importantes a observar. A partir do momento, em que efetuamos as observações quantitativas e qualitativas, temos já jogadores que nos chamam á atenção e que começamos a colocar nas bases de dados, exemplo disso, são jogadores como Yerson Chacón, do clube Dep. Táchira (Venezuela), Vicente Pizarro, do clube Colo Colo (Chile), Alexis Castillo, do Curtuluá (Colombia) Jair, da base, do Santos, Popó, do Oeste-SP, entre outros.
MEC – De que maneira o scouting pode servir para uma equipe ser campeã ou sair de uma crise?
MG – Na minha opinião, um departamento de scouting num clube de futebol. Trabalhando bem, em sintonia com a equipe técnica, não tenha dúvida que a contribuição é importante para o título . Com a crescente industrialização do futebol, cada vez mais este deve ser tratado como um qualquer produto de mercado, por isso, no futuro os clubes têm que ser criativos, dinâmicos e autónomos para se tornarem competitivos, atrativos e ganhadores. A capacidade de observar e detectar talentos é sem duvida, nos dias de hoje, um fator decisivo quer para o sucesso desportivo do clube, quer para a sua sustentabilidade financeira. A visão geral, ampla e universal é a visão correta. A visão superficial, pequena e individual é a visão deturpada. Os clubes de futebol já não podem prescindir de um departamento especializado
nesta matéria – o departamento de scouting. Instrumentos e técnicas das mais sofisticadas estão, nesta altura, disponíveis para estes profissionais que se tornaram altamente especializados.
MEC – Os jogadores estão preocupados com o scouting ou isso é uma coisa só de treinador moderno?
MG – Primeiro, convém esclarecer que um departamento de scouting divide-se em scouting de recrutamento (análise e observação de jogadores a serem contratados) e rendimento (análise e observação da própria equipa e equipas adversarias). Os treinadores, hoje em dia, dão muita importância ao Scouting, sem duvida que é um
departamento que aporta muito ao trabalho do treinador. Os jogadores, também se preocupam, porque hoje em dia a contratação de um jogador, é estudada ao pormenor e ao detalhe: o dia a dia extra-campo, o treino e o jogo.
MEC – Como você a diferença do futebol brasileiro, América do Sul e da Europa?
MG – Na Europa, o futebol é mais táctico e mais rápido, com os jogadores a estarem nuns níveis de intensidade altíssimos. O futebol brasileiro é muito competitivo. Na minha opinião, a Serie B é mais competitiva que a Série A, mas ambas são muito competitivas, e isso, vê-se na curta diferença pontual entre as equipes. Para mim, o Brasil é o pais do jogador de futebol, existe uma grande quantidade de jogadores de qualidade. Ainda existe o “futebol de rua”, coisa que na Europa já não existe.
No restante da América do Sul, tem também jogadores de grande qualidade, como por exemplo a Argentina, Uruguai e Colômbia, que exportam muitos jogadores de qualidade para Europa. Exemplo disso é Darwin Núñez do Uruguai, Luiz Diaz da Colômbia, entre outros jogadores ao longo da história.
MEC- Quando você vem ao Brasil é para ver jogadores que possam interessar a algum clube europeu? Se sim, os dados interferem na contratação?
MG – Neste momento estou morando no Brasil. Então, meu trabalho, neste momento é feito para a Europa a partir daqui. Os dados são sempre importantes. Por exemplo, tanto posso ser eu a referenciar um jogador aqui no brasil, como também, os clubes lá na Europa, terem informação de um jogador aqui do Brasil, e entrarem em contato comigo, para ir ver um determinador jogador, sempre a partir da informação do seu departamento de scouting.
MEC – Qual tua expectativa para a Copa?
MG – Neste momento, é um pouco prematuro estar a falar da Copa, porque ainda serão feitas muitas convocações. Está condicionado ao ao estado físico dos jogadores. Outros países, vão sofrer do mesmo infelizmente, mas são coisas do futebol. Outra situação, na minha opinião, é o fato da Copa ser no final do ano. Os campeonatos das seleções europeias vão estar a meio e os campeonatos das seleções da América do Sul estão terminando. Isso vai ter influência? Na minha opinião, sim. Vamos ver jogadores europeus com ritmo e sem fadiga, porque esta competição, sempre foi no fim dos campeonatos dos países europeus. Como o futebol é uma ciência, uma ciência humana, neste momento é imprevisível apostar numa seleção.