Já faz algum tempo que eu desejava fazer algumas resenhas, matérias ou entrevistas com autores que entrelaçasse a literatura com o futebol. Como já estou respirando ares da Copa do Mundo e vivo a ansiedade para a ver a bola rolando nos gramados do Catar, decidir estrear. E para começar, um livraço: A falta, do jornalista e escritor cearense (meio pernambucano) Xico Sá.
Quando soube que Xico estava lançando um romance em que misturava o futebol com o sentimento humano fora das quatro linhas, eu corri logo atrás da obra. Não poderia deixar de ler. E é arrebatado. Contado como se cada capítulo fosse um minuto de bola rolando, Xico conta a história do goleiro do Náutico, que está se despedindo da carreira ao mesmo tempo que sofre de amor. Uma mistura de sentimentos, pensamentos, tristeza, enquanto a bola rola no estádio Zerão.
O fato do goleiro ser o personagem principal da história foi outro ponto que me prendeu da primeira página até o final. O camisa 1 é um ser solitário, uma figura que entra em campo para estragar a festa, para evitar o gol, para deixar a torcida em silêncio. E Xico carregou nas doses dramáticas, especialmente porque ele estava se aposentando sem ter um rumo certo na vida.
“Condenado às traves como um bom ladrão bíblico na cruz, o tempo é outro para quem está aqui debaixo. Uma partida dura uma eternidade. Jamais o que determina o árbitro. Dá tempo de passar uma vida em revista ou até mesmo reescrevê-la. Sobra tempo demais para a tragédia”, revela o guarda-metas nas páginas do livro.
Confere ai o bate-bola com Xico Sá:
Xico- Nas minhas muitas cervejas com o doutor Sócrates, no tempo em que trabalhamos juntos no Cartão Verde (TV Cultura), ele sempre falava dos dramas que um jogador leva para o campo. Dramas ignorados pela torcida e pela crônica esportiva, afinal de contas o grande profissional é o que deixa os problemas fora de campo. Esses relatos do doutor inspiraram o livro.
Xico – Rapaz, tenho essa obsessão pela figura do goleiro desde que comecei a cobrir futebol como repórter, ainda nos anos 1980, no Recife — no Tabloide Esportivo, na Placar e em breve passagem no Jornal do Commercio. Aquela criatura solitária, com jeitão de um existencialista, com regras diferentes (o único que trata a bola com as mãos) e toda uma mística de maldições — onde ele joga não nasce grama etc. Sempre achei que havia no goleiro um grande personagem literário.
Xico – Nasci no mato, zona rural do Cariri, muito longe da ideia de frequentar estádios, mas a grande epopeia do futebol me chegava pelo rádio. A narração do rádio é uma escola, apura a imaginação, é uma literatura à parte. Na Copa de 70, com oito anos, vi, nos chuviscos preto e branco de uma tv pública na praça de Nova Olinda, o primeiro jogo: a final Brasil x Itália. Virei um pelezista fanático, daí a paixão pelo Santos. Nunca mais larguei o futebol, com a sorte de começar a carreira profissional no jornalismo esportivo, que é o que mais gosto de fazer até agora.
Xico – Demais. Não há modernização ou frescuras que consigam, por mais que os cartolas se esforcem, tirar a graça do jogo. Também sou daqueles que param pra ver uma pelada. Aliás, foi em uma pelada no Pina que vi o gol mais bonito da minha vida, em janeiro de 2003, uma bicicleta depois de uma jogada trabalhada desde a defesa -sem nenhum toque do adversário. O gol foi tão espetacular que a mesa inteira, ali no bar conhecido como 25ª, gritou “gol da porra”. Entre as testemunhas, lembro do amigo Beto Azoubel.
Ficha técnica da Obra:
Título: A falta – Memórias de um goleiro
Páginas: 160 páginas
Preço livro físico: R$47,90
Editora Planeta | Selo Tusquets.