Sempre digo aos amigos em mesas de bar que minha Copa do Mundo preferida foi a de 1982. Se fosse para escrever um livro sobre o Mundial, escolheria o da Espanha, aquele em que a seleção brasileira, apontada por 10 entre cronistas, a favorita para a conquista do título, perdeu para a Itália. Tudo porque foi a primeira que eu vi, no auge da mina inocência infantil. Entendia nada do que estava acontecendo, mas comemorei demais cada gol brasileiro.
Mas o jornalista Fernando Rêgo Barros não caiu no clichê “a primeira impressão é a que fica”. Sua primeira Copa do Mundo foi a de 70, justamente a que o Brasil contava um time repleto de craques como Pelé, Gerson, Tostão, Rivelino… O tri foi conquistado. Mas Fernando tem um outro encanto: o Mundial de 1958. Foi a primeira vez que a seleção brasileira levantou a taça e espantou o estigma de vira-latas, que Nelson Rodrigues dizia, por conta da tragédia em 1950 e o fiasco em 1954.
Pois bem, o encanto de Rêgo Barros pela seleção brasileira campeã mundial na Suécia será compartilhado para outros amantes do futebol através do livro 1958: Como ganhamos a Copa na Suécia que está prestes a ser publicado pela editora Cepe. Há anos que ele trabalha na sua produção, com pesquisas, entrevistas, checagem de informação. A cada leitura, mais conhecimento e a fome de compartilhar tudo para outros amantes do futebol. A editora comprou a ideia assim que tomou conhecimento do material produzido por Fernando e já botou as máquinas para funcionar. Como fã de futebol, de Copa do Mundo e de Fernando, com quem tenho o prazer de dividir as lives no instagram Papo de Copa, vivo a expectativa do lançamento como se fosse um gol do título brasileiro. Abaixo segue uma entrevista com Rêgo Barros:
Marcelo Esporte Clube – Como surgiu a ideia de fazer o livro?
Fernando Rêgo Barros – É uma ideia antiga. Em 2006, li um livro de um jornalista alemão, Rudi Michel, que comemorava os 50 anos da conquista da Copa de 1954 pela Alemanha Ocidental. Lembrei, então, que em 2008, nós é que estaríamos comemorando o cinquentenário de nossa primeira Copa. E que essa história era muito pouco explorada por nós, brasileiros. Aí, me veio a ideia de escrever o livro. Queria entrar nos detalhes daquela história, porque achava que era uma história que valia ser lembrada. Mas foi só em 2007 que comecei a pesquisar e fazer entrevistas.
MEC – Por que esse interesse na Copa de 58?
FRB – A cho que pelo fato de ter sido a primeira conquistada pelo Brasil, né? Hoje, temos cinco estrelas na nossa camisa. Estamos buscando a sexta. Mas essa longa história de títulos mundiais do Brasil começou ali, na Suécia. E foi uma linda história de superação para o nosso futebol. Não podemos esquecer que oito anos antes, o Brasil tinha perdido a Copa do Mundo em casa, para o Uruguai, no Maracanã, no episódio que ficou conhecido como o “Maracanazo”. Depois, em 1954, também com uma boa seleção, foi eliminado pela Hungria, na Copa da Suíça. Nossa moral estava lá embaixo. Muitos não acreditavam mais que o futebol brasileiro conseguiria um dia ser o melhor do mundo. A ponto de Nelson Rodrigues resumir esse sentimento pessimista do brasileiro na expressão “complexo de vira-latas”.
MEC – Quantas entrevistas você fez e qual a história mais curiosa?
FRB – Eu quis entrevistar todos os jogadores daquela Copa que ainda estivessem vivos. Mas em 2007, alguns já tinham morrido, como Didi, Garrincha e Vavá, e outros estavam muito doentes, como Nilton Santos, Gylmar e Bellini. Desses, recuperei antigas entrevistas e li tudo o que pude. Consegui entrevistar Zagallo, Zito, Pepe e Dino Sani. Lamento não ter conseguido entrevistar Pelé. O assessor dele não conseguiu espaço na agenda. Mas não me abati com isso porque, felizmente, Pelé já falou muito sobre aquela Copa, em entrevistas, filmes e até mesmo na autobiografia dele. Então, por outros caminhos, consegui reproduzir o que foi aquela Copa pra Pelé. Também conversei sobre ele com Zito e Pepe, que foram companheiros dele no Santos e na Seleção.
Além disso, conversei com jornalistas que cobriram a seleção na Suécia ou acompanharam a Copa aqui no Brasil. Entrevistei João Máximo, Léo Batista e Luiz Mendes (que foi à Copa pela TV Rio). Li tudo o que Armando Nogueira tinha escrito sobre aquela Copa. No Recife, conversei com jornalistas que já estavam trabalhando e viram como o pernambucano viveu aquela Copa, como Lenivaldo Aragão e Fernando Menezes, sem falar nas muitas entrevistas que fiz com pessoas que simplesmente viveram aquela época. Eu pedia que me contassem como tinham acompanhado a Copa. Tenho até uma tia que enfrentou a chuva forte que caiu no Recife no dia em que a seleção voltou ao Brasil, porque não queria perder a festa. Também pesquisei muito em jornais e revistas da época. E li muitos livros que fizessem qualquer referência à Copa de 1958.
MEC – Nessa viagem do tempo, você sente saudade do futebol do passado… ou o atual tem a sua função, enche mais teus olhos?
FRB – Olha, o futebol do passado tinha mais identificação do jogador com o clube ou com a seleção. Isso criava uma sintonia maior também com o torcedor. Hoje, o jogador começa a se destacar e já é negociado. Daquela seleção de 1958, alguns jogadores só defenderam um ou dois clubes em toda a carreira. O goleiro Castilho, titular em 1954 e reserva de Gylmar em 1958, jogou a vida toda no Fluminense. Nilton Santos, só no Botafogo. Pepe, só no Santos. O próprio Pelé jogou quase toda a sua carreira no Santos e só no final jogou também no Cosmos, de Nova York. Ou seja, é muito diferente de hoje. Mas isso não quer dizer que o futebol de hoje não tenha seu encanto. O futebol jogado hoje, aqui no Brasil ou no exterior, também enche os meus olhos. Porque sempre vão existir grandes jogadores e sempre vai ter alguém despontando como um novo craque, como hoje temos o norueguês Haaland, que infelizmente não vai à Copa do Catar, porque a Noruega não se classificou. Gosto de lembrar a história do futebol, mas não sou um saudosista. Sempre teremos o que ver no futebol.
MEC – Pelé era de fato o maior craque da seleção de 58 ou há algum outro craque que a mídia não valorizou?
FRB – Não era o maior. Pelé era a grande surpresa, a novidade, afinal, tinha só 17 anos e estava começando a se destacar no futebol paulista e brasileiro. Mas aquela seleção tinha grandes craques, como Nilton Santos, Didi, Garrincha e Vavá. Eles é que eram os grandes nomes daquele time. E a mídia os valorizava. E foram esses craques que possibilitaram que Pelé não sentisse o peso de jogar na seleção, mesmo sendo tão jovem. Zito, por exemplo, sempre deu muitos conselhos a Pelé, no Santos e na Seleção. Agora, Pelé apresentou um futebol que encantou o mundo e fez gols importantíssimos naquela Copa, inclusive dois na final.
MEC – De que forma você conduziu a história do título? O que as pessoas vão encontrar nas páginas da obra?
FRB – Eu abro o livro com o momento final da Copa, quando Pelé faz o quinto gol brasileiro na decisão com a Suécia. E depois volto para contar tudo em ordem cronológica. Tentei contar essa história com o máximo de detalhes. Desde a formação da comissão técnica, que inovou e deu um padrão profissional que o Brasil não teve nas Copas anteriores. Passando pela escolha dos 22 jogadores pelo técnico Vicente Feola. Conto como foi a preparação do time ainda no Brasil, os amistosos que fizemos antes da estreia na Suécia. O time brasileiro foi mudando durante a Copa. E os 22 convocados eram muito bons. O leitor vai ter contato com histórias curiosas, como o fato de que Garrincha poderia ter ficado de fora daquela Copa, se Julinho, que já tinha jogado na Copa de 1954 e atuava na Fiorentina, da Itália, tivesse aceitado o convite para integrar a seleção. Aí os convocados teriam sido ele e Joel. Julinho recusou por não achar justo ocupar o lugar de quem estava jogando no Brasil. Assim, Feola levou Joel e Garrincha.
Outro fato curioso foi a preocupação que os suecos tiveram, no dia da final, para não deixar o campo encharcado, para não prejudicar o futebol mais técnico dos brasileiros. Antes do jogo, cobriram o gramado com uma lona e ainda usaram esponjas para retirar o excesso de água do gramado. Isso parece mentira, mas aconteceu.
MEC – O futebol brasileiro ainda te encanta?
FRB – Sim. O Campeonato Brasileiro é um dos mais disputados do mundo. E é o único que começa sempre com cinco ou seis times com chances de ser campeão. E sempre tem novos craques surgindo. Temos feito bonito na Libertadores também. Infelizmente, o futebol pernambucano é que não tem encantado, né? É lastimável ver o Náutico caindo pra Série C, o Santa Cruz na D. Pernambuco não ter nenhum time na série A é muito triste.
MEC – Como você vê a relação da torcida brasileira com a seleção?
FRB – Já foi muito maior. Mas isso é culpa da CBF, que leva a seleção pra jogar no mundo todo, menos no Brasil. Então, o torcedor, exceto nas eliminatórias, quase não vê a seleção jogando no Rio, em São Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizonte. Como ele vai criar uma relação com a seleção brasileira? E outra coisa que vejo como muito negativa é a qualidade dos adversários que enfrentamos. Quando você joga com seleções de nível fraco, não dá pra avaliar se o seu nível está bom mesmo. Aí, só vamos saber na Copa do Mundo.
MEC – Qual a tua expectativa para a Copa de 2022?
FRB – Eu acho que o Brasil está no grupo dos cinco ou seis favoritos. Brasil, França, Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Portugal. Creio que um desses será campeão. E ainda esqueci a Argentina, que não dá pra menosprezar, ainda mais porque Messi estará na sua última Copa. Claro que torço pro Brasil. Mas seria muito interessante também ver uma Bélgica ou um Portugal sendo campeão do mundo.