Foto: Heudes Régis
Apesar de não ser um assíduo frequentador da praia de Boa Viagem, lembro demais as idas com a família para aquela orla. Duas coisas me agoniavam quando garoto: o sargaço e o piche na areia. Aquilo era o terror. Mesmo assim, a gente entrava na água. Afinal, chegamos até ali para quê? Ficar só na areia, não dava né?! Até porque a praia tem seus encantos e a gente não poderia ficar olhando o que incomodava. A galera do surf era uma das coisas que chamavam a atenção. Como é que uma pessoa se equilibrava numa prancha, hein? Me dava medo até de olhar. Até porque nem sabia nadar naquela época.
Ao contrário do que fiz, que apenas achava curioso, o meu amigo Alexandre Gondim meteu as caras e quis praticar. Só conheci Gondim na época da faculdade, quando já era surfista e fotografava. Trabalhamos juntos no Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio. Ele nunca largou a prancha e nem a máquina fotográfica, suas paixões. E durante esse período de ofício no jornalismo, Gondim aumentou sua curiosidade sobre o esporte e mergulha no mar das letras, lançando o livro A Primeira onda – o começo do Surfe em Pernambuco. O evento acontece na noite desta quinta-feira, no baro Orora, centro do Recife.
A obra parte da trajetória do primeiro surfista pernambucano, José Paulo Cavalcanti Filho, e do legado deixado por ele para as gerações posteriores. Com base na memória dos entrevistados, Gondim reconstrói a lembrança de uma cidade que vivia a descoberta da cultura de praia, hoje muito afetada pelos ataques de tubarões. Carlos Burle, Eraldo Gueiros, Piet Snel, Cláudio Marroquim, Zelo Gondim e Walter Coelho são outros pioneiros ouvidos. No total foram 146 surfistas citados nas 121 páginas do livro impresso pela Cepe – Companhia Editora de Pernambuco. Confiram abaixo o papo com o autor:
Marcelo Esporte Clube – Conta como foi o primeiro contato com o surf. Quais as lembranças que você tem?
Alexandre Gondim – Minhas primeiras ondas foram na praia de Boa Viagem, em frente ao Edifício Acaiaca, local bastante frequentado pelos surfistas, antes da prática ser proibida pelos ataques de tubarões. A lembrança mais antiga que tinha sobre surfe vinha de quando eu era criança, da imagem do meu primo, Zelo Gondim, andando na praia de Boa Viagem com sua prancha, de cabelos compridos e sandálias Havaianas indo para o mar. Com seu visual meio hippie, lembro dele passando por mim dizendo: “Vamos surfar, Xandão!”. Era o fim da década de 1970 e o surfe já era uma prática apreciada no Recife. Eu não sabia nada sobre a história do esporte em Pernambuco e, muito menos, como chegou ao Recife, local em que comecei a surfar. Esta era a minha curiosidade desde que iniciei a prática esportiva, no início da década de 1980.
MEC – E quando surgiu a vontade de escrever sobre o esporte?
AG – Paralelamente ao batente jornalístico nas redações do Jornal do Commercio e do Diario de Pernambuco, me especializei e naturalmente aprendi sobre o Surfe. Por saber pouco sobre a origem do esporte aqui em Pernambuco, prática que amo e que me acompanha desde os tempos de adolescente, surgiu a curiosidade de saber quem foi a primeira pessoa a surfar e como foi o começo do esporte no Estado. São as respostas a essa curiosidade que compartilho no livro que estou lançando agora: A Primeira Onda – O Começo do Surfe em Pernambuco.
MEC – Você acredita que ainda há preconceito com esporte?
AG – Não. Com a profissionalização do surfe e com seus melhores atletas fazendo verdadeiras fortunas, a sociedade e as famílias começaram a apoiar a prática e a iniciação de seus filhos no esporte. Famosas marcas patrocinam atletas e eventos dando respaldo e confiança. Note que chamei os surfistas de atletas. Sim, aqueles ditos vagabundos e alienados de ontem conquistam hoje medalha de ouro nas Olimpíadas e são exemplos de saúde.
MEC – Qual o teu propósito em publicar a obra?
AG – Levar ao conhecimento dos amantes do surfe, praticantes ou não, a história desse esporte. Sabe-se como o surfe começou no mundo, no Brasil, no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas poucos sabiam como começou em Pernambuco. Com o livro publicado esse saber torna-se um documento com o depoimento do primeiro surfista pernambucano, José Paulo Cavalcanti Filho, imortal da Academia Brasileira de Letras. Testemunhado por seu amigo Paulo Cesar Botelho, que presenciou a primeira onda, e noticiado pela mais antiga matéria de Jornal que anunciou a chegada de um novo esporte à praia de Boa Viagem em 1965. É uma contribuição para a história do esporte. Isso me deixa muito feliz e orgulhoso.
MEC – Como você avalia o momento do surfe pernambucano?
AG – O surfe mundial e Brasileiro vive o melhor momento de sua história com circuitos organizados e com expressivas premiações. Pernambuco tem uma boa organização esportiva, porém os ataques de tubarões deixaram uma grande “sequela”. Houve uma retração, uma estagnação no crescimento do esporte no contrafluxo do que acontecia nos outros estados. A iniciação no esporte por parte das crianças foi muito prejudicada. Sabemos que grandes campeões começam cedo em qualquer prática esportiva e, observando isso, é urgente e necessário uma maior atenção. A Federação Pernambucana de Surfe junto com o movimento de escolas de surfe tenta minimizar isso, porém é necessário que as secretárias esportivas estaduais e municipais se debrucem sobre esse assunto e trabalhem para reverter esse cenário. Já é hora de aprender com países como a Austrália, que também tem problemas de ataques de tubarões e continuam a ser uma grande força do surfe mundial. A visão de que os surfistas invadem o local dos tubarões não está certo, somos do mar e as ondas são nosso “habitat” também.