Derrota para a seleção de Camarões, por 1×0, no último jogo da fase de grupos da Copa do Mundo do Catar, deixou um sabor de desconfiança no torcedor. Ele faz festa em casa, na rua, no bar… Se veste com as cores da seleção. Reúne amigos, familiares, vizinhos. E quer a vitória. Não quer saber se jogou mal ou bem. Quer vencer. Mas diante dos africanos, Tite decidiu colocar um time completamente reserva e o que se viu foi uma equipe embaraçada, perder o jogo e o treinador afirmar que perdeu na hora de perder. Para a nação de chuteiras, não existe hora de perder.
É fácil criticar Tite depois que o jogo aconteceu. Mas, participando do podcast Cacarecocast, ao lado dos meus amigos Carlos Lopes e Marcelo Aragão, já alertávamos que seria um risco ser tão radical quanto à preservação do time titular para esse duelo. Poderia ser algo mais misto, colocando cinco ou seis atletas considerados titulares no bando de reserva. E podendo entrar no decorrer da partida, dependendo da situação. No entanto, o técnico optou pelo radicalismo, dando até impressão de um certo menosprezo a Camarões. E quase, quase mesmo, o Brasil terminaria o grupo na segunda colocação.
Confere aqui o podcast Cacarecocast:
Fui acostumado a ver o Brasil vencendo todos os jogos da fase de grupos da Copa do Mundo. Era como se eu tivesse criado um regulamento sigiloso em que a seleção não pudesse ser derrotado. Mas aí, ao ver o Brasil insistir ofensivamente sem sucesso no ataque, e sofrer um gol (belo gol, diga-se) de Aboubakar (que abobalhadamente foi expulso: tirou a camisa na comemoração, recebeu o segundo amarelo e o vermelho), fiquei tentando buscar na memória as Copas em que o Brasil tropeçou na fase dos grupos e o que aconteceu ao final da competição.
Não vou abrir muito o leque do tempo nessa retrospectiva. Vamos a 1974, ano em que nasci, e o Brasil chegava no Mundial da Alemanha com os olhos do mundo voltado para o seu futebol, já que havia sido tricampeão em 1970. E a fase do grupo foi horrível: empatou os dois primeiros jogos, contra o Iugoslávia e Escócia em 0x0, e se classificou após vitória sobre a “poderosa” Zaire, por 3×0. A seleção de Zagallo não chegou à final, pois foi eliminada pela Holanda, de Cruyff, e ainda perdeu a disputa do terceiro lugar para a Polônia do carequinha Lato.
Em 1978 foi outra lástima. Dois empates contra Suécia e Espanha – 1×1 e 0x0, respectivamente – Só ganhou o terceiro jogo, se arrastando, da Áustria. No final da competição, o Brasil ficou em terceiro, pois foi eliminado pela Argentina (donos da casa), por conta do saldo de gols e venceu a decisão do terceiro lugar contra a Itália, com direito a golaço de Nelinho. Em 1982, na Espanha, o Brasil sofreu para vencer a URSS, na estreia, por 2×1. Depois venceu fácil Escócia e Nova Zelândia. A seleção era apontada como favorita, mas foi eliminada nas quartas de final, para a Itália, por 3×2, quando Paolo Rossi fez a festa italiana.
Em 1986, no México, o Brasil teve 100% na fase dos grupos: venceu Espanha por 1×0, num jogo que se tivesse VAR, o resultado poderia ser outro. O meia Michel acertou um balaço de fora da área, a bola bateu no travessão e ultrapassou a linha do gol. Mas a arbitragem não viu. Segue o jogo. Depois, superou a Argélia, por 1×0, e a Irlanda do Norte, por 3×0, com direito a golaço de Josimar. `Mesmo com esse aproveitamento, a seleção não foi longe. Foi eliminado nas quartas de final A seleção sequer chegou às semifinais. Esbarrou nas quartas de final com a França. Empatou no tempo normal em 1×1, e perdeu nos pênaltis.
Em 1990, o Brasil fez outra boa campanha na fase de grupos, apesar de não agradar pelo futebol burocrático implantado pelo técnico Sebastião Lazaroni. Foram três vitórias contra Suécia (2×1), Costa Rica (1×0) e Escócia (1×0). Mas ninguém levava fé na seleção. A seleção foi eliminada nas oitavas para a Argentina, de Maradona. Em 1994, o Brasil venceu os dois primeiros jogos, contra Rússia (2×0) e Camarões (3×0). Com a classificação na mão, Parreira mandou a campo uma seleção mesclada para enfrentar a Suécia, na última rodada da fase de grupos, empate em 1×1, com gol salvador marcado por Romário, aquele biquinho salvador.
Na Copa do Mundo de 1998, na França, a história foi semelhante, mas com um sabor mais amargo. Na abertura, vitória suada sobre a Escócia, por 2×1. No segundo jogo, o Brasil atropelou Marrocos, por 3×0. A terceira partida aconteceu com o Brasil já classificado. Mas o técnico Zagallo fez poucas mudanças no time titular contra a Noruega. Mas aquele clima de “estamos nas oitavas”, deu uma arrefecida na pegada da equipe. A seleção abriu o placar com Bebeto, mas sofreu a virada por 2×1. O segundo gol, marcado por Redkal, numa cobrança de pênalti, originado de um puxão de camisa do zagueiro Júnior Baiano, que ninguém viu. Só o árbitro. Não tinha VAR, então, o torcedor só viu no dia seguinte o puxão de camisa de Júnior no atacante norueguês.
Em 2002, o Brasil fez uma fase de grupos exuberante, apesar do erro da arbitragem que o favoreceu na vitória sobre a Turquia, por 2×1. Em seguida, veio o 4×0 sobre a China. Para fechar a fase de grupos, outra goleada: 5×2 sobre a Costa Rica. Nesse ano, o Brasil foi penta. Na Copa de 2006, mais uma primeira fase 100%: 1×0 sobre a Croácia, 2×0 diante da Austrália e 4×1 diante do Japão. Com um timaço, o Brasil empolgava. Mas a empolgação contaminou a seleção, que acabou sendo eliminada pela França, por 1×0, gol de Tierry Henry.
Em 2010, Dunga assumiu o comando da seleção sob chuva de críticas. Na fase de grupos, duas vitórias consecutivas: 2×1 sobre a Coreia do Norte e 3×1 sobre Costa do Marfim. Na terceira partida, Dunga resolveu mesclar o time contra Portugal, na rodada de fechamento da fase de grupo. Em Durban, na África do Sul, as duas seleções fizeram um dos 0x0 mais sem graça da história. O Brasil avançou e foi eliminado pela Holanda, nas quartas de final.
Em 2014, em casa, a seleção brasileira estreou contra a Croácia de forma sofrida, vencendo de virada a Croácia, por 3×1. Depois, empate contra o México, em 0x0, e goleada sobre Camarões, por 4×1. Uma fase de grupo chata que já dava sinais de que dor de cabeça maior estava por vir. Sò não se sabia que seria tão catastrófica. Em 2018, o Brasil já estreava mal: empatava com a Suíça, em 1×1. Depois, embalou duas vitórias consecutivas: Costa Rica (2×0) e Sérvia (2×0).
Agora, 2022, duas vitórias (Sérvia e Suíça) e uma derrota (Camarões). O revés na última rodada da fase de grupos deu uma desanimada ou a fé segue forte na conquista do hexa?