Por Rodrigo Pires*
O Brasil nação passa por um conturbado momento político nos últimos quatro anos. Quem não sentiu na pele ou no bolso, procure saber em que planeta vive. No mundo recifense em linha reta no qual vivo, , as coisas ficaram deveras estranhas (sim, estou sendo eufemista!). Eu que sou brasileiro e sou o último a desistir, passei boa parte da partida contra a Sérvia numa angústia danada por conta daquele chato 0x0.
Mas eis que surge “O Jogador”, aquele salvador da lavoura, que joga nos peitos da certeza que a redonda vai parar na bochecha do barbante e finalmente o grito de gol ecoar “amundiçadamente” pelas cercanias do bairro.
Ufa, ganhamos uma! A sociedade distópica até pra sair de casa a gente precisava ver se a cor da roupa era “adequada” pra botar a cabeça do lado de fora. Que eu me lembre, da ultima vez que eu vi alguém falando de roupa inadequada, foi quando um primo meu que estava com a unha encravada foi de havaianas para um casamento, mas a cor da chinela, pouco importava.
Outra coisa estranha, a Copa do Mundo desse ano não seria no mês que acontece sempre, em junho/julho e sim, novembro, por causa do calor caótico do país, que era o mais rico e não sabia, lá pelos idos de 70 ficou independente do Reino Unido (sempre eles!), quando descobriu que podia abastecer o planeta com seu armazém de gás, desde 1976 , com o maior depósito de gás natural do mundo.
A primeira vez que ouvi falar do pitoresco calor do Catar foi com o ex-jogador Fred, que se despediu recentemente do Fluminense e do futebol. Em uma entrevista ele disse que uma hora antes de ir para o treino, ligava o ar condicionado do carro e voltava pra dentro de casa até o carro ficar “dirigível”.
Fui ler a respeito e vi que lá é pior que Recife. Aqui, dizemos que no auge do calor tem um sol pra cada pessoa. Lá no Catar são dois sóis pra cada, temperatura média nos meses de junho/julho: 45 graus! Entendi perfeitamente porque o bonde da FIFA decidiu mudar a data do rega-bofe.
Insolação à parte, a bola começou a rolar dias desses e toda cadeia de consumo visual iniciou, meses atrás o seu ritual de acasalamento para seduzir consumidores e vender toda a qualidade de artigos verde e amarelos.
O problema: falei antes que nossa sociedade vem alguns anos meio estranha né? Pois bem, até usar a canarinha virou um problema. Por isso, você e eu, temos visto muita camisa azul da seleção por aí, coisa incomum até dia desses. Usar a camisa numero dois era sinônimo de rebeldia ou ponta de estoque, hoje é um ato político.
Quando a seleção entrou em campo para a sua estreia, as ruas do meu bairro em total combustão, um calor danado e todos querendo chegar logo em casa pra ver o jogo, mas se você encontrasse alguém na rua e fosse comentar sobre a partida, a resposta de grande parte era: “não estou muito ligado nessa Copa. Vou dar uma olhada, mas sem muita festa”.
Arrisco dizer que o azougue do brasileiro pra chegar em casa era por mais por conta do pedacinho de feriado do que empolgação pra ouvir Galvão Bueno e suas parábolas empíricas. Entramos em campo contra a Sérvia e durante o primeiro tempo foi aquele paranauê dos brazucas jogando bem, com as habilidades de sempre, mas o objetivo principal, necas.
Segundo tempo e a seleção brasileira entra em campo sem o seu balzaquiano craque. Como um pajem em dia de casamento, Tite entra ao lado dele, junto a uma entourage de funcionários da seleção para carregar o ego do Tio Ney. Ao entrar em campo, não satisfeito com o atraso causado por seu umbigo, mesmo após o toque inicial, Tio Ney agacha-se e simula (presumo) uma amarração de chuteiras.
Alguns minutos se passam e vemos o time com uma vontade maior e o genial Vinicius Junior chuta uma bola e Richarlison pega o rebote do goleiro servo, um a zero pro Brasil. Mais um adianto do relógio e novamente o melhor jogador do Brasil de 2022, segundo a France Football, dá um passe para o pombo e o atacante finaliza com um gol magistral, os narradores do Brasil e do mundo todo não acreditam na pintura renascentista que o jogador brasileiro executou no goleiro sérvio.
Não deu tempo nem de acabar o jogo, as redes sociais já bombavam com informações de bastidores sobre o atacante pintor. A principal delas é sobre um projeto social que ele ajuda na cidade de Barretos, o Instituto Padre Roberto Lettieri. Outras informações apareceram como sua ajuda ao programa da USP de pesquisas da Covid, conhecido como USP Vida.
Após todas essas informações bombarem na rede, muitas pessoas de todas as bolhas ideológicas resolveram se ‘desarmar’ a respeito da camisa amarela e de outras referências surrupiadas por movimentos ‘estranhos’ já supracitados, causando uma nova onda de positividade e otimismo em relação a torcer ou não para ganharmos a copa.
Na partida contra a seleção da Suíça sem o Tio Ney em campo. A primeira chance de gol saiu dos pés de Vini Jr diretamente para o Pombo, quase! A segunda foi um gol anulado, numa jogadaça do quarteto, que ao meu ver, ainda vai fazer muitos gols na Copa, caso estejam juntos em campo: Vini/Casemiro/Rodrygo/Richarlison. E na terceira grande chance, gol de Casemiro, jogada da dupla ‘madrilenha’ Vini e Rodrygo.
É sintomático que um jogador de futebol, sem saber do seu poder de influência, consiga criar uma onda positiva com algumas atitudes progressistas, e que infelizmente, ainda são tratadas como ideologia ‘esquerdista’. Por mais Richarlisons no esporte, por mais jogadores com consciência de classe, por menos ego e mais progressismo em campo – e fora deles também.
*Rodrigo Pires é jornalista