Adilson Albuquerque guarda com carinho a foto do encontro com seu irmão, Almir, num clássico Flamengo x Vasco, no Maracanã
Almir Moraes de Albuquerque era um pacato cidadão pernambucano com os pais, irmãos, esposa, filhos e amigos. Mas com a bola nos pés, se transformava. Habilidoso, inteligente, rápido, também era cabeça quente, explosivo, temperamental com os rivais. Após ser revelado pelo Sport, no final dos anos 50, foi para o Vasco. Virou Almir Pernambuquinho. Sua qualidade técnica era tamanha que também ganhou a alcunha de Pelé Branco, numa clara referência ao Rei do Futebol. Teve uma vida recheada de polêmicas. Virou bon vivant no Rio de Janeiro, lugar que amou intensamente ao ponto de afirmar que só deixaria a capital carioca morto. Uma premonição. Num 6 de fevereiro de 1973, um projétil saiu da pistola do revólver de um turista português atingiu em cheio sua cabeça. Há 50 anos, a vida de Almir Pernambuquinho foi brutalmente interrompida. Tinha apenas 35 anos. Em meio a tantas histórias e lendas sobre os episódios de violência que envolve o ex-meia do Vasco, Flamengo, Corinthians, Santos, Seleção Brasileira nesse cinquentenário de sua morte, há os que também guardam com carinho histórias de um pernambucano amigo, carinhoso, mas que de fato, não suportava injustiça e provocação.
Quem guarda no coração e na mente as atitudes intempestivas de Almir é o seu irmão mais novo, Adilson Albuquerque. Assim como o Pernambuquinho, Adilson foi contratado bem jovem pelo Vasco. Para ele, Almir era uma figura solidária e amiga, que não queria prejudicar a ninguém. Mas, por outro lado, não aceitava violência do adversário, injustiças e nem panda gratuita de adversários. Nem com ele e nem companheiros de equipe. Para Adilson, as “explosões” de Almir eram provocadas pelos rivais ou situações que ele não achava justa. Adilson cita, como exemplo, o seu acerto com o Vasco. “Ele descobriu que eu não tinha um contrato de gaveta, como se dizia na época, com o clube. Então, ele ameaçou me negociar para o futebol italiano. Foi uma confusão tremenda. Mas tudo pelo meu bem. Eu tive mais amizade com ele no Rio, já como jogador. Afinal, quando Almir morava no Recife, eu era criança e não tinha tantas histórias com ele”, conta Adilson.
Adilson era titular absoluto do Vasco e jogou por muitos anos no clube. Ao contrário de Almir, que rodou por outros clubes. Na capital carioca, Almir jogou pelo América, onde encerrou a carreira, e no Flamengo, onde fez belos gols e protagonizou uma das maiores confusões que o futebol brasileiro já viu. Na final do Campeonato Carioca de 1966, o Flamengo encarou o forte Bangu. O time alvirrubro confirmou seu favoritismo aplicando um sonoro 3×0. Durante a partida, o atacante do Bangu, Ladeira, agrediu Paulo Henrique, do time rubro-negro, e Almir partiu para defendê-lo. Correu como um louco para acertar o rival. Quando assim fez, foi expulso pelo árbitro Airton Moreira, o famoso Sansão. Ele não aceitou. Começou uma confusão gigante. Quando saia de campo, ouviu alguém provocar: “Almir, vai deixar o Bangu fazer a volta olímpica?”. Ele voltou e saiu batendo em todo mundo que via pela frente. “Nesse mesmo dia, eu estava jogando pelo Vasco, contra o América. Aí, me falaram: ‘Olha, teu irmão acabou com o jogo!’. Eu jurava que era jogando bola. Mas não, foi confusão, briga”, relembra sorrindo. “Almir era, digamos um justiceiro. Ele atacava para se defender e defender os amigos. Foi o caso na partida contra o Bangu”, diz. “Eu joguei uma vez contra, quando ele estava no Flamengo. Antes da partida começar, ele me disse: cuidado que esses caras batem demais. Até naquele momento, ele tinha cuidado comigo”, relembra Adílson.
Na sua passagem pelo Santos, Almir Pernambuquinho teve a grande oportunidade de comprovar que seu apelo de Pelé Branco era algo real. Em 63, o Peixe encarou o Milan na decisão do Mundial Interclubes. Naquele ano, a decisão era em play off, com jogos nos países dos clubes. Na primeira partida, na Itália, o Milan venceu por 4×2. No time italiano, a dupla da zaga era formada por Giovanni Trapattoni e Cesare Maldini. Nessa partida, Pelé apanhou tanto que ficou de fora dos jogos no Brasil. Almir foi escolhido para substituí-lo. E ele entrou em campo enfezado. Não com a dupla de zaga, mas com um brasileiro que jogava no Milan: o atacante Amarildo. Às vésperas da partida, um jornal italiano estou uma manchete: “Pelé já era!”. Amarildo negou ter falado. Acusou periódico de sensacionalista. Mas Almir não quis saber. Não aceitou ver Amarildo falar mal de um ídolo, de um amigo, de um Rei. No primeiro lance do Amarildo em campo, Almir deu uma pesada no atacante, que ficou mais quieto durante a partida.
Não houve maiores confusões, mas Almir mostrava quem mandava ali. “Olha…eu não tinha esse perfil. Acho que esse DNA do Almir vinha do nosso pai, Arlindo. Ele batia muito”, sentencia Adilson, lembrando o dia em que seu Arlindo foi ver Almir jogando futebol pela primeira vez, na Ilha do Retiro. “Um torcedor ao seu lado começou a xingar Almir de filho da p… Aí, ele olhou para o torcedor e perguntou: ‘Você conhece a mãe dele…? E sentou o braço”, contou.
Seleção Brasileira
Pelo futebol que estava jogando, Almir poderia ter uma história mais intensa, de títulos com a camisa da seleção brasileira. E não foi por conta de uma escolha errada. Ainda vestindo camisa do Vasco, foi convocado para fazer parte do grupo do Brasil, se preparando para a Copa do Mundo de 1958. No entanto, seu coração vascaíno falou mais alto. Mais entrosado com os jogadores do clube carioca, preferiu sair de fininho da seleção e para participar de uma excursão na América Central com o Vasco.
No entanto, o que mais pesou na sua decisão, foi uma conversa com o goleiro vascaíno Barbosa. O Brasil vinha de frustrações nas Copas de 50 e 54. A primeira, Barbosa ficou marcado (injustamente) como vilão da derrota para o Uruguai, no Maracanã, o que custou o titulo para o Brasil. Barbosa teria dito a Almir que jogar na seleção pode ser ruim, pois ele seria marcado por uma derrota para o resto da carreira. Mesmo dizendo “Não” à Canarinha, Almir ainda participou de 8 partidas oficiais após a Copa de 58. Foram 8 jogos, com 4 vitórias, 3 empates e 1 derrota. Comemorou os títulos da Copa Rocca e Copa Atlântico, em 1960.
Confira aqui, o papo com Adilson Albuquerque, registrado pelo podcast Cacarecocast:
O Herdeiro
Almir deitado no treino do Flamengo, enquanto brincava com o filho Almirzito/Arquivo Pessoal
Quando Almir Pernambuquinho faleceu, Álvaro Albuquerque tinha 11 anos. Não tinha a menor ideia de quem seu pai foi para o mundo da bola. As lembranças que ele tinha naquele momento era de um pai amigo, carinhoso e divertido. “Quando se separou da minha mãe, fui morar no Rio. Mas gostava demais de passar as férias inteira com ele. Eu não tinha dimensão da sua importância. Lembro que, certa vez, a gente passeando pelas ruas da cidade, dois rapazes puxou ele pelo braço e perguntaram: ‘Você é o Almir Pernambuquinho? E ele: ‘Não, não. Sou muito parecido com ele..” Foi engraçado. Depois ele deu o autógrafo”, relembra ainda com orgulho do pai. Morando no litoral paulista, Almirzito, como é chamado carinhosamente pelos familiares, não seguiu a carreira do pai. É casado com Néia, pai de Pedro, Daniela e Marina, e é pastor da Igreja Evangélica Missão Mundial, que fica em Guarujá. Além de Álvaro, Almir também teve uma filha, Adriana, que na época da sua morte, tinha 7 anos. Ela também é pastora da mesma igreja de Álvaro, e vive com a mãe, ex-esposa de Almir, Maria de Lourdes, em Santos. “Esse estilo brigão era da natureza ele. Agia por puro instinto e a torcida gostava. Ele era muito determinado. Quando criança, sofreu paralisia infantil e, mesmo assim, dizia para a família que ganharia muito dinheiro. Seu caso raro foi fruto de estudo numa universidade nos Estados Unidos”, afirma.
Álvaro foi tomando conhecimento da história do pai na medida em que tempo foi passado. Nas pesquisas que fazia e ainda faz, nos lugares que visitava. “Fiquei muito feliz quando vi a sua imagem no museu do La Bombonera, estádio do Boca Júnior, onde jogou nos anos 60”, destaca. Quando esteve nos Estados Unidos, teve um encontro casual com Pelé, que na época jogava pelos Cosmos. “Quando ele nos viu, fez questão de falar comigo, minha mãe. Foi bastante atencioso”. Almir também tem sua imagem eternizada no Santos, assim como na calçada da fama, do Maracanã. Toda história do pai enchia de orgulho aquele garotinho que só estava aprendendo os primeiros passos da vida. E fortalecia intensamente a relação em casa. Almirzito conta que o pai era precursor no futvôlei e morava num apartamento em que recebia todos os amigos do futebol e também da vida noturna carioca. “Ele adorava cozinhar e receber amigos. O apartamento vivia cheio de gente. As partidas de futvôlei eram organizadas, tinha apostas. Não havia briga e nem discussão. Era pura diversão”, relembra o filho. “Vivia a vida intensamente, mas para alguns amigos, ele dizia que estava se preparando para voltar a trabalhar no futebol. Pensava em ser treinador. Mas, infelizmente, aconteceu a sua morte”, lamenta Álvaro.
O Filme
A história de Almir Pernambuquinho já foi eternizada em vídeo. Segundo Almirzito, o canal GNT produziu um vídeo em sua homenagem após uma votação popular. “Eles produziram vários vídeos para celebrar os 500 anos do Brasil. No futebol, a votação teve Pelé em primeiro lugar na votação. Em segundo Garrincha. Papai apareceu em terceiro e como era, entre eles, o menos conhecido pelo público, escolheram a sua história para virar documentário”, conta Almir. Mas outra obra deve estar por vir. O documentário novembro/63, do diretor Lúcio Branco, vai focar na sua personalidade forte e, como o nome do documentário já diz, na conquista do Mundial do Santos, em 1963, no qual Almir foi personagem principal, substituindo Pelé. Branco traz na sua carreira de cineasta independente a produção de cinco filmes, sendo quatro curtas e e um longa. Desses, três são sobre futebol. O longa chama-se Barba, cabelo e bigode, de 2016, no qual ele aborda os perfis de ex-jogadores contestadores e rebeldes: Afonsinho, Paulo César Caju e Ney Conceição. A realização do filme de Almir manteria o estilo dos seus filmes.
“Almir é um personagem muito antigo em minha vida. A monografia de conclusão de curso de em ciências sociais, no Rio, foi com Almir como objeto de estudo. Tema: Comportamento desviante no futebol brasileiro. Acho que a história de Almir transcende até a de Muhammadi Ali. Já escrevi o roteiro, tenho muito material levantado, imagens mapeadas… Pretendo fazer um curta para 2023, mas vai depender das leis disponíveis. E também de encontrar uma produtora para abraçar a causa”, afirma Branco, que planeja fazer uma abordagem dramática aos dois jogos do Santos contra o Milan, no Brasil, na decisão daquele Mundial Interclubes.
O Livro e a Morte
Quando curtia a vida no Rio de Janeiro, Almir foi procurado por dois jornalistas da revista Placar. Eram João Saldanha e Fausto Neto, que sabendo da coragem do ex-meia do Vasco, imaginaram fazer uma entrevista franca, revelando todos os bastidores do futebol. E acertaram em cheio. Pernambuquinho não negou fogo e disparou para todos os lados. Falou de tudo. De homossexualismo, que era um tabu duro de ser quebrado naquela época, passando pelo doping – admitindo ter jogado sob efeito de “bolinhas” pelo Santos na final contra o Milan, suborno… Enfim, não sobrou para ninguém. A ideia era soltar a entrevista nas páginas da revista semanalmente. Quando a primeira parte chegou nas bancas, a polêmica tomou conta do Brasil. Almir nem ligava para as críticas. Chegou a receber ameaças. E não se importava mesmo. No entanto, não chegou a ver a quarta parte da matéria ser publicada. Antes disso, foi assassinado num bar, no Rio de Janeiro. Ao final das publicações, a revista editou as entrevistas num livro, chamado Eu e o futebol, que é raro no mercado. Algumas pessoas sustentam a hipótese de que o seu assassinato foi o saldo da polêmica entrevista. Mas tem pouca sustentação.
O fato é que Almir estava bebendo com amigos na noite de 6 de fevereiro no bar Rio Jerez, na Galeria Alaska, em Copacabana. O lugar era tradicionalmente frequentado por artistas, jornalistas, escritores. Entre eles estava o escritor Mário Prata, que chegou a publicar no jornal Estado de São Paulo, um artigo contando o que aconteceu naquele dia. Também estavam naquela noite o grupo teatral Dzi Croquettes, que curtia o intervalo de uma de suas apresentações na capital carioca. Há uma versão que Almir teria sido alvo de provocação de um deles, já que sabia do seu perfil temperamental. Outros falam que um grupo de turistas portugueses estava provocando os artistas e Almir foi defendê-los. Até hoje, não se sabe o que de fato aconteceu para iniciar uma discussão calorosa entre Almir e os portugueses. Um desses turistas estava armado e acertou uma bala em seu crânio. Até hoje, o crime não teve solução. Ninguém foi preso. E Almir Pernambuquinho ficou na história por ser um craque que teve seu talento abalado por seu temperamento.