O economista e produtor cultural Alfredo Bertini publicou durante a semana, em seu perfil no instagram, um texto (dividido em quatro partes) sobre o que rola no processo eleitoral do seu clube do coração, o Sport Club do Recife. Aqui, reuni as partes no texto único, no qual Bertini lamenta o fato de os dirigentes deixarem a vaidade falar mais alto do que a razão, tão necessária em tempos de crise. Confira o texto:
Por Alfredo Bertini
Minha primeira incursão na gestão do Sport se deu num dos momentos mais difíceis da sua história. Após uma crise política que derivou de uma renúncia e um processo eleitoral indireto, assumiu à época o clube, corajosamente, um amigo querido. Figura de postura ética, de classe média e de lições e princípios democráticos, o Promotor de Justiça Fernando Pessoa foi então empossado. Honrosamente, compus a equipe como um dos seus Vices-Presidentes. No curto período de gestão, agreguei à essa experiência o que tinha internalizado como um exercício de paixão: o futebol. Senti-me envolvido entre a emoção nata e a razão iniciante.
De fato, um dos aspectos mais marcantes dessa passagem foi encarar a linha tênue entre o torcedor e o dirigente. Esse tracejado imaginário é algo como a “faixa de Gaza” de um novo ser dual. Como saber em que lado está nas tomadas de decisões mais difíceis? O coração de torcedor bombeia o sangue da pura emoção. A cabeça de dirigente gera as sinapses da pura razão.
Embora curta, posso dizer que aquela experiência me proporcionou um impulso de segurar o “pêndulo da contradição” em favor do lado racional do dirigente. E o fiz não apenas pela percepção de que o clube carecia por uma mudança necessária na forma de gestão. Fui além, exatamente porque decidi, de forma não menos corajosa que a investidura de Fernando, por ser candidato à Presidência do clube. Sem o histórico de uma “cultura” de poder aristocrático, para o qual as gestões clubísticas se voltavam. Mas, com a percepção de muitos que o importante naquele momento era criar uma ruptura do modelo e projetar o clube do futuro.
Tudo isso completa agora sua maioridade. 18 anos se passaram e muito do que disse naquela eleição continua em aberto, apesar de alguma lucidez em dadas gestões vitoriosas. Mas, quase sempre, os avanços foram tolhidos por emoções e vaidades. Essa combinação, distante da razão e da humildade, é uma “cultura” arraigada há décadas, que atua como impeditiva à renovação.
Essa história recente do Sport justifica minha análise. E faço isso porque o clima eleitoral está de volta.
São valores naturais que têm contribuído para impedir uma ação mais incisiva e contínua, em prol de outro modelo de administração, bem mais afinado com as regras de um mercado de entretenimento, onde o futebol se encontra inserido, no mínimo há duas décadas. Naquela opção que fiz pelo embate eleitoral há 18 anos, o desafio já era romper com a cultura contraria à renovação e ao profissionalismo.
Ao longo desse tempo, tivemos no clube apenas alguns espasmos favoráveis às mudanças. Medidas pontuais, pouco dissipadas no contexto das gestões. Exemplos: algum patrocínio derivado de influências, ou mesmo, a contratação de profissional de poder decisório mediano. Nada além disso. Afinal, existia uma resistência em distender ao máximo outras iniciativas. O velho “pacto” de um poder oligarca e aristocrata, que não renova, não incentiva novos líderes e que pouco cria e inova. Enquanto alguma conquista acontecia, valia esse “pacto” da conivência e do silêncio. E quando isso não dava certo “dentro de campo”, os resultados políticos eram abalos financeiros e administrativos. Assim se moveu o clube nesse efeito sanfona. Planejamento estratégico inexistente e futuro preocupante à frente. E o mundo do futebol se organizando.
Do bom momento da conquista da Copa do Brasil (gestão Milton Bivar, em 2008) para cá, algumas perspectivas alvissareiras se deram, na direção da renovação geral que tenho destacado. Na gestão Gustavo Dubeux, creditem-se as iniciativas da arrumação financeira que se faziam necessárias. No período Humberto Martorelli, um bom momento dos resultados em campo, aliado ao esforço por um planejamento estratégico iniciado. Três referências importantes de gestões distintas com avanços pontuais. Mas que também enfrentaram suas resistências movidas às emoções de sempre.
Gratidão e lealdade são dois atributos que carrego como herança. Ocupa-se um posto e nele pode ser possível expor discordâncias com seu líder. Persistir nesse posicionamento além do ambiente é por em risco a instituição e falhar naqueles atributos. Por isso, a inteligência emocional atua nas horas de pressão pelo desapego.
Da mesma maneira que, em nome da amizade constituída, rendi meu respeito e consideração por Fernando Pessoa, não poderia deixar de fazê-los com Arnaldo Barros, por mais duro que tenha sido seu ofício. Como Vice-Presidente de ambos, claro que atuei pelo interesse do clube, mas por delegação de confiança concedida pelos dois. Tivemos em raras zonas de desacordo, mas por decisões regimentais da presidência ou colegiadas, recolhi-me à hierarquia e à democracia.
É evidente que tenho minhas impressões sobre erros, em nada diferentes de outros ocorridos na história recente do clube. Mas, por princípios éticos não me cabe expô-los publicamente. Ademais, tenho também convicção de que muitas questões foram extrapoladas, pelo apelo midiático natural, em favor daquela “cultura emocional” e pela disputa de poder. Se tecnicamente houve equívocos, também entendo que politicamente a reação de quem rivaliza foi adequada. Aliás, não há como defender o que já foi julgado pelas urnas. Arnaldo e Martorelli já discutiram, definiram e executaram suas estratégias de defesa, junto ao Conselho e à opinião pública. Reagiram e silenciaram, dentro de regras civilizadas. Isso precisa ser encarado como águas passadas. Remexer é inglório para o clube e as partes. Só serve para inflamar o ambiente. E, nesse momento delicado, isso seria o pior que poderia acontecer com o clube.
Resta olhar para a frente e apenas utilizar o retrovisor para aprender com os erros, digamos que já cometidos por todos. Entre conquistas e perdas, assistiram-se cenas de emocionalismos, vaidades, falhas estratégicas de comunicação e marketing e falta de gestão profissional em todas as áreas do clube (gestão do futebol, inclusa).
É preciso virar a página para que se possa discutir e implantar uma nova forma de gestão no Sport. Aprender com os erros e, principalmente, tentar antever os desafios futuros, no intuito de se estabelecer a estratégia mais adequada. Eis o segredo para o ergimento do clube.
A crise atual precisa ser encarada com menos intrigas e mais reflexões. Aliás, com uma dose corretiva de racionalidade, pouco comum num clube que só respira emoção. Na minha modesta opinião, em plena crise mundial e diante de uma tragédia sanitária, se não caberia falar em eleições político-partidárias, quanto mais fazê-la num clube inflamado como está.
A propósito, disse isso a Luiz Carlos Belém, que se predispôs ao embate eleitoral anunciado e ainda me convidou para fazer parte do processo, compondo uma chapa. No geral, suas ideias são afinadas às minhas, mas não julgo ser esse o momento para se montar a cena eleitoral. Não estou disponível. Ademais, numa eleição com o futebol numa disputa, na qual o clube têm riscos de desempenho indesejado. Imagino o novo mandatário no terço final do campeonato, gerindo um grupo de atletas que não foi seu e sob ameaças. Uma situação insólita. A sensatez seria eleições pós-campeonato.
Enfim, creio que seja importante olhar para o passado apenas como aprendizado. Vale tentar um esforço coletivo de humildade (em especial, dos lideres), que abrace as ideias renovadoras. Lebraremos das boas coisas que todos fizeram, mas chegou a hora de um novo tempo, mesmo com duas ou três décadas de atraso. Acima das opiniões livres, objetivas e que não ferem os valores natos dos verdadeiros rubro-negros está algo maior: a grandeza e a imortalidade do Sport Club do Recife.
Se é assim para o cotidiano, não tem razão de ser diferente. Se o nosso hino enaltece que o amor ao clube é uma razão para viver, que saibamos também viver por outras razões: aprender com os erros, construir o novo e projetar o futuro.
Assim sendo, será mais forte o nosso grito que estremece a terra: “pelo Sport tudo”!
* O texto não reflete necessariamente a opinião do blog MEC